quarta-feira, 10 de agosto de 2016

[ENTREVISTA] "No meu quarto há muitas aranhas": Genilson Alves e o Projeto Ciberpajé

Genilson Alves - Lunare Music

Entrevista com Genilson Alves, músico dos projetos "Each Second" e "Quando o Céu e os Oceanos Colidem" e mentor de um dos mais importantes selos da cena darkwave e experimental do Brasil, a LUNARE MUSIC. A entrevista enfoca o novo lançamento do projeto CIBERPAJÉ, o EP "O Estratagema da Aranha", parceria entre o Ciberpajé (Edgar Franco) e o projeto Quando o Céu e os Oceanos Colidem (Genilson e Gabriel Kalb). Entrevista conduzida pela IV Sacerdotisa Danielle Barros.



1- Como surgiu a ideia do EP "O Estratagema da Aranha"?
Genilson - A partir do que viria a ser a faixa "Aforismo I" - originalmente, o esqueleto de um remix que eu havia produzido para outro artista, mas que foi descartado. Tempos depois, resolvi reaproveitar o material e pensei que seria interessante ter uma narração do Ciberpajé.

2- Por que o EP tem esse nome? Qual o "conceito" que a obra traz?
G - No meu quarto há muitas aranhas, gosto de observá-las, a forma como pensam para capturar suas presas, daí o título, que era apenas uma frase solta e que eu já tinha na cabeça antes mesmo de considerar um novo trabalho com o Ciberpajé. Então, pedi para o Edgar escrever um aforismo em cima dessa ideia.

3- Você e o Ciberpajé já haviam estabelecido uma interessante parceria no primeiro EP do projeto, chamado "Invocação da Serpente". Inclusive, você foi o principal idealizador do projeto. Fale-nos sobre como concebeu a ideia do projeto Ciberpajé e detalhe o processo criativo das faixas do novo EP.
G - Após o lançamento do EP "Invocação da Serpente", sugeri que Edgar convidasse outros projetos para sonorizar os aforismos do Ciberpajé, algo parecido com o que faz o multimídia japonês Kenji Siratori, que já teve seus poemas musicados por vários artistas mundo afora, inclusive ele participou do álbum "Neo Cortex Plug-in", do Posthuman Tantra, e também fez uma parceria com o Each Second no EP "Dusk", que tem ilustrações assinadas por Edgar. Quanto ao registro mais recente, o processo foi bem rápido e simples, dentro do espírito do projeto Ciberpajé. Conforme expliquei, eu já tinha uma faixa parcialmente pronta, enquanto que os temas elaborados
por Gabriel já existiam há algum tempo, o que fiz foi apenas inserir as partes dele no trabalho.

4- Sobre a parceria estabelecida nesse projeto entre você, Genilson Alves, e Gabriel Kalb (o projeto musical "Quando o Céu e os Oceanos Colidem") e o Ciberpajé, como aconteceu a reunião colaborativa desses grandes artistas da cena darkwave para este EP?
G - Ocorreu de forma semelhante quando da idealização do primeiro EP da série, "Invocação da Serpente": pedi para o Edgar escrever algo com base no título e também que escolhesse um de seus aforismos para ser musicado. Como novidade, sugeri gravarmos um cover - uma versão de "Dawn in Blood", do projeto português Wolfskin. Esta não é a primeira vez que nós três trabalhamos juntos; Edgar gravou as vozes para uma faixa que o Gabriel e eu fizemos para a compilação "Necronomusick VI - Silence", lançada em 2013.

5- As capas de todos os EPs do projeto são criadas pelo Ciberpajé Edgar Franco em um estilo muito peculiar. O que você tem a nos dizer sobre o conceito da capa de "O Estratagema da Aranha?
G - Nas palavras do próprio Edgar, a aranha simboliza a morte, a teia da qual não podemos escapar. Trata-se também de uma homenagem à gata Ariel, que convive com ele há muitos anos e vem sofrendo graves
problemas de saúde, na ilustração retratada com um córneo para lembrar que, diante da inevitabilidade do fim, devemos nos maravilhar com o presente da vida.
(Nota da entrevistadora: Ariel já tornou-se encantada como relatou-me o Ciberpajé que esteve com ela até seu último suspiro).


Capa do EP O Estratagema da Aranha 

Capa do EP A Invocação da Serpente
Capa do EP Lua Divinal
Capa do EP Heresia Cósmica
6- Em sua percepção, como mentor do selo Lunare Music, como tem sido a recepção do público em relação aos EPs lançados no projeto Ciberpajé? Por que optar por esse formato mais sintético?
G - Até agora, o feedback tem sido bastante positivo, e acho que isso deve-se justamente ao formato do projeto: faixas curtas, ilustrações minimalistas, tudo feito de forma meio instintiva, o que também permite mais experimentação.

7- Como esse EP se comunica com os lançamentos anteriores? Há uma conexão entre as obras?
G - Talvez na estética, não sei ao certo... melhor perguntar ao Ciberpajé. (risos)
Ciberpajé responde: Aceitei a provocação do amigo Genilson, a conexão fundamental entre todos os EPs é o ideário que está impregnado nos aforismos recitados por mim, que tem como alguns dos fundamentos básicos o antidogmatismo, o retorno à essência selvagem animal, o domínio da vontade e a busca do amor incondicional. Minha voz e as capas também criam uma conexão estética bem evidente, mas a música é, em cada EP, uma surpresa inesperada, criando essa vibração peculiar de cada obra.

8- Quais os próximos planos para o Projeto Ciberpajé de aforismos musicados no contexto da Lunare Music?
G - Há novas parcerias em andamento, é tudo feito muito rápido, porém sem pressa. Novidades em breve!




Agradeço ao Genilson Alves pela entrevista concedida!

Visite o site da LUNARE MUSIC: https://lunarelabel.bandcamp.com/







Saiba detalhes do lançamento de "O Estratagema da Aranha" e ouça aqui

Leia minha resenha sobre o EP aqui

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Sobre o Dia Internacional dos Povos Indígenas e o que eu vejo na realidade local: Não há o que comemorar, há que lutar!

Estava na rodoviária de Teixeira de Freitas, BA e vi uma família indígena da etnia maxakali com mais de 8 pessoas em situação lastimável, roupas rasgadas, sujos, com fome (vi alguns mexendo no lixo). Peguei uma sacola de lanches que eu tinha em mãos e pedi para o funcionário da rodoviária para entrar na área de embarque para dar a sacola para eles. O funcionário cheio de piadinha: "dá para mim que estou com fome também". Nem respondi, e dei a sacola. As crianças foram ávidas, cada uma pegando alguma coisa para comer.
Quando entrei no táxi, o locutor dizia na rádio que os "índios em situação de rua estão atrapalhando a vida dos comerciantes em Teixeira de Freitas". (Não é a primeira vez que ouço abordagem inadequada e preconceituosa acerca da presença dos maxakali na "praça da Bíblia" no centro da cidade, teve até um jornal on line regional que fez uma matéria¹ extremamente agressiva e depois fez uma "retratação").
Tem gente que só pensa em si mesmo. Tipo o cara bem alimentado, o funcionário da rodoviária, que queria o lanche que eu estava para dar aos indígenas. Tem gente que se incomoda com as cotas etnicas, bolsa família, querem tudo para seu próprio benefício. Se incomodam com as terras onde eles vivem, com a cor da pele, com os costumes, com tudo.
Por exemplo: Os índios sempre moraram nas matas, até que um dia alguém teve a esperteza de registrar a terra em seu nome, vendeu, revendeu. O que antes parecia "não ser de ninguém" de repente ganha dono "oficial". A "justiça" manda expulsar os índios de suas terras. O índio fica sem terra, sem lugar pra morar, sem subsistência, nem nada. Alguns vão parar nas cidades e vivem na rua.
O preconceito contra os indígenas é bem parecido com os que sofrem os ciganos, as pessoas lhes negam trabalho, oportunidades, empatia, ajuda, dignidade.
Agora me digam, se te tiram de sua casa, te negam seus direitos (moradia, educação, saúde, etc) você vive na rua, mas nem na rua você pode ficar, então quer dizer o que? Que querem que os índios morram?
Cadê a prefeitura nessas horas? Por que não existe um abrigo para pessoas em situação de rua na cidade? Em épocas eleitoreiras parece que só se investe em inaugurações, pinturas de meio fio, academias, mas e as PESSOAS?
Me lembrei que o funcionário da rodoviária quando me viu ir dar a sacola de lanches, disse: "agora há pouco eu tive que acudir um índio que estava bêbado". É curiosa a hipocrisia humana, se um cara rico enche a cara com whisky 18 anos ninguém azucrina o ricão. Se o playboy enche a cara na festa e sai matando gente atropelada, o papaizinho rico manda tirar da cadeia e fica tudo certo. Mas se é um pobre, negro, cigano ou indígena que está bebendo (decerto para tentar sublimar a cruel realidade que vive), aí ele é vagabundo?
E ainda tem gente de "barriga cheia" vindo me falar em "meritocracia". Parece que de propósito se "esquece" que tem gente que não tem nem o que comer, nem onde dormir, nem onde tomar banho, não tem acesso ao estudo, desconhece seus direitos, não tem o mínimo de dignidade humana, é desassistido pelo Estado, luta para sobreviver todos os dias. Sério que uma pessoa nessas condições tem a mesma oportunidade de uma pessoa que tem casa, se alimenta, estuda, etc?
E tem gente preocupado com a "imagem da praça da Bíblia"? 
Sabe o que é engraçado? O Deus de que a bíblia tanto fala, a bíblia que dá o nome a praça, é um Deus que viveu entre os pobres e dividia o pão e a água com eles.
As "pessoas de bem" que vejo discursar nos dias de hoje (talvez sempre tenha sido assim) me parecem hereges travestidos de anjos.
Depois de vivenciar essa experiência na rodoviária somado ao sentimento de impotência ao perceber o preconceito velado que permeia a sociedade, fiquei sabendo que hoje é uma data "festiva" aos povos indígenas. Então aproveito o ensejo do texto para "parabenizar" o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Teixeira de Freitas e sua mídia regional estão de "parabéns" nesse quesito. SÓ QUE NÃO.

Fecho minha postagem com este texto postado na página As relações de interculturalidade entre conhec. científicos e tradicionais

O que uma matéria com um título como este revela?
A matéria não revela apenas o racismo para com as populações indígenas, mas a ausência do cumprimento da Lei 11.645/2008 nas escolas do município de Teixeira de Freitas-BA, bem como na região do Extremo Sul da Bahia. Uma região que sempre foi território indígena, o desconhecimento ou quando senão a marginalização dos indígenas que moram e/ou transitam por esse território hoje chamado Extremo Sul da Bahia é o que vigora. Para conhecimento, a historiografica indígena (PARAÍSO, 1994) nesta região aponta em inúmeros textos que o Povo Maxakali sempre habitou essa região, sendo lugar de perambulação deste. Torna-se urgente que as redes municipais de educação dos municípios que compõem essa região, trabalhem a Lei 11.645/2008, contemplando particularmente os povos que estão presentes, neste caso o Povo Maxakali e Pataxó. É preciso que se conheça as histórias, culturas e línguas destes povos, para que os absurdos ditos no título desta matéria não sejam escritos e divulgados como se nada tivesse de ofensivo e depreciativo.


O que era um cartão postal da cidade de Teixeira de Freitas se tornou um lugar de vandalismo, destruição e muito fedor. A Praça da Bíblia, no coração da cidade,…
SULBAHIANEWS.COM.BR


Nota ¹: A matéria "Fedor e Vandalismo: Índios Maxakali destroem Praça da Bíblia" foi originalmente publicada na SulBahia News, mas foi retirada do ar depois de uma nota de retratação. Depois a mesma matéria foi publicada no site "Notícia Agora", no link http://noticiaagora.net.br/blog/?p=30190


E reverberado em outros sites locais:

Municípios Baianos - Teixeira de Freitas: Índios Maxakali destroem Praça da Bíblia:
Repórter Coragem - Fedor e Vandalismo: Índios Maxakali destroem Praça da Bíblia
O Povo News - Praça da Bíblia Beleza ou abrigo de índios e andarilhos?
O Sollo - Ocupação dos índios Maxakali na praça da cidade traz consequências ao local

Também nos jornais impressos e nas rádios da cidade de Teixeira de Freitas há um discurso discriminatório e preconceituoso que fomenta a visão negativa da população em relação aos povos indígenas da região, denotando o equívoco e o desconhecimento total da população sobre suas próprias origens.

Texto: Danielle Barros