quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Professora Danielle Barros concede entrevista sobre Ciência, Educação e Arte ao fanzine Homem-Leoa - confira!

Entrevista concedida a Virgínia Codá e Vinícius Estrela, componentes da equipe da revista de Biologia Cultural A Bruxa, organizada pelos educadores Elidiomar Ribeiro (UNIRIO) e pela Luci Coelho (UFRJ), do Laboratório de entomologia urbana e cultural da Unirio. O zine Homem-Leoa foi lançado no Mercado Fundição Sustentável, na Fundição Progresso/RJ dia 1 de fevereiro de 2020.

Capa do zine

Zines impressos

Leia o texto de apresentação postado pelo prof Elidiomar:

Com muita felicidade, temos em Homem-Leoa #02 uma entrevista muito legal com a bióloga, fanzineira, desenhista e escritora Danielle Barros, a quem agradecemos. A Dra. Danielle é professora adjunta em dedicação exclusiva da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC), Campus Paulo Freire, em Teixeira de Freitas, Bahia. É doutora em Ciências na área de Ensino de Biociências e Saúde no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/FIOCRUZ), mestre em Ciências no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/FIOCRUZ) e licenciada em Ciências com habilitação em Biologia na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Coordena o "Projeto CiArtE: Ciência, Arte & Ensino" na UFSB. Suas áreas de atuação são: ensino de ciências, práticas pedagógicas, metodologias ativas e formação de professores de Ciências.

Divulgação da entrevista na página do fanzine Homem-Leoa no facebook


Páginas da entrevista no zine

No fanzine, por uma questão de espaço, a entrevista com a Dra. Danielle está resumida, mas aqui na página está na íntegra. Os entrevistadores foram Virgínia Codá e Vinícius Estrela.
Segue a entrevista:

Como você acha que a arte se relaciona com a ciência?

Tenho grande afinidade com este tema e tangenciei essa discussão em minha tese de doutorado, porém vou tentar ser breve!
A interface entre Arte e Ciência ao longo da história da humanidade nos mostra que esses temas eram concebidos de forma simbiótica. Grandes cientistas como Galileu Galilei e Leonardo da Vinci, transitavam pelas vias de conexão entre a ciência e a arte ao desenvolver o conhecimento e comunicá-lo das mais diferentes formas (pintura, música, escultura, desenho, poesia, etc.), deixando legados inestimáveis à humanidade.
Infelizmente, a noção de que a ciência e a arte fazem parte de campos antagônicos permeia a cultura das sociedades contemporâneas ocidentais. Essa ideia de separação é nomeada de “duas culturas” por Snow, e podemos constatar isso pelo distanciamento progressivo entre intelectuais das ciências naturais e das ciências humanas em virtude da crescente especialização disciplinar, que estaria provocando um empobrecimento do potencial intuitivo desses cientistas. Há também, uma visão equivocada e estereotipada de que o cérebro do cientista é somente racional e linear, e que os artistas são apenas “intuitivos” sem se pautar em racionalidades.
Mas sabe aqueles/as grandes artistas ou cientistas que conseguiram mudanças de paradigmas e que moveram o curso da arte ou da ciência? Eles/as não se baseavam apenas em intuição ou racionalidade, mas usaram suas qualidades racionais e emotivas para disseminarem seus manifestos e fundamentar suas teorias.
Lamentavelmente, essa crença de que o artista não utiliza sua racionalidade e apenas utiliza da “intuição” em uma conotação de “improviso”, como se lhe faltasse técnica, estudos e métodos, muitas vezes relega a arte a um status “inferior”, sobretudo no âmbito acadêmico por uma suposta falta de rigor metodológico.
Portanto, reitero que não há uma separação estanque/cartesiana entre razão (racionalidade) e emoção (intuição), uma vez que, ao longo de um processo de trabalho criativo existe uma dinâmica de trocas simultâneas entre o intuitivo e o racional.
Por fim, assim como Root-Bernstein e colaboradores destacam no manifesto ArtScience, publicado em 2011: “quem pratica ArtScience é artista e cientista em simultâneo bem como as criações, que envolvem, transcendem e integram todas as disciplinas e formas de conhecimento”, sinto-me como artecientista, uma vez que minha experiência humana envolve todos os aspectos da vida pessoal, espiritual, acadêmica, artística, nessa minha descoberta na arte. Ciência é arte e arte é vida. Não há separação.

Como você costuma relacionar a ciência com a arte sem perder o conteúdo científico?

Na verdade não consigo ver uma coisa separada da outra, conforme comentei em minha resposta anterior! Vai depender de cada educador/a avaliar em que medida sua abordagem científica/artística vai se aprofundar em relação ao conteúdo científico. Tenho usado inclusive, o processo criativo como um processo AVALIATIVO, na perspectiva das metodologias ativas de ensino. Ou seja, avalio os/as discentes em seus processos de criação, onde elaboro um barema em que vou avaliando cada ponto específico que julgo pertinente (envolvendo tanto aspectos conceituais, quando a capacidade de propor soluções, de trabalhar em equipe, de apresentar-se oralmente, de escrita, etc.), no lugar de provas e testes memorizantes, e tenho avaliado de forma satisfatória. Prova disso é constatar o feedback dos/as alunos/as e os desdobramentos dos trabalhos realizados em sala que tem gerado frutos como: criações de fanzines, quadrinhos, jogos didáticos sobre ciências e essas criações tem se tornado apresentações de trabalhos em eventos acadêmicos e manuscritos para publicação! Fico tão orgulhosa de ver tanta coisa linda e valiosa que eles/as criam!

Que diferenças você notou nos seus alunos após começar a utilizar fanzines nas aulas?

Conforme os próprios relatos deles/as, destaco sobretudo: ampliação da auto estima, pois ao se perceberem criadores/as, muitos se surpreenderam positivamente com os resultados criados; a ampliação da capacidade de auto expressão; a motivação de utilizar fanzines e quadrinhos em sua própria atuação docente; constatar que é possível aprender e fazer ciência com arte; e o prazer, inclusive para a saúde mental, de poder criar durante as aulas no âmbito científico e essa criação ser legitimada no processo avaliativo. Notei também mais alegria e leveza no ambiente acadêmico!

Você acredita que a criação dessas histórias auxilia para a preservação da natureza?

Creio que tudo que é criado nos vincula à criação. O artista e pesquisador Edgar Franco (Ciberpajé) tem uma visão sobre isso que eu concordo e cito aqui. Ele diz que muito dificilmente um criador de mundos ficcionais irá promover a guerra porque quando você cria um mundo, uma cosmogonia, você tem que usar empatia, tem que colocar-se no lugar do outro, pensar como ele poderia estar pensando naquela situação, e isso nos torna menos dogmáticos, mais receptivos à visão de mundo dos outros, mais solidários, menos autocentrados e egocêntricos. Ele conta que quando criou sua trilogia em quadrinhos BioCyberDrama, roteirizada por ele e desenhada por Mozart Couto, criou mais de 100 personagens onde teve que imaginar cada um deles, a visão deles dentro da situação que experienciavam, como se portariam segundo seu histórico de vida, suas personalidades, sua forma física, e portanto teve que vivenciar esses quase 100 papéis, sendo um pouco de todos eles. Franco diz ainda que a cada nova criação ele se sente mais tolerante, menos presunçoso para com as pessoas em geral, sua empatia cresce no mundo real na medida em que surgem novas personagens em seu mundo ficcional.
Então, pegando esse exemplo, se proponho aos/as discentes criarem histórias sobre nossa fauna e flora, eles terão que pesquisar referências anatômicas para desenhar, ou referências sobre ecologia, etologia, habitat etc. para ambientar suas narrativas, e com isso vão descobrindo peculiaridades, curiosidades, belezas, riquezas... Também possivelmente descobrirão que aquele animal em específico está na lista das espécies em extinção, ou já estão extintos, e talvez isso possa fazer emergir dentro de cada um o sentimento de engajamento, indignação, e força para proteger e preservar, para divulgar sua importância, biodiversidade, etc., são muitas as possibilidades de vínculo e aquisição de conhecimento!
Dessa forma, o processo criativo de quadrinhos e fanzines, unindo ciência e arte, constitui-se uma possibilidade de desenvolver, de forma conjunta, uma via em que a aprendizagem é apropriada com um significado, através da experiência. É notório: as aulas, as oficinas de HQs e zines são muito prazerosas! As pessoas juntas recortando, colando, desenhando, pesquisando, criando, superando seus limites (em geral, auto impostos), descobrindo-se artistas de novo (sim, porque sempre fomos, sobretudo quando crianças) e percebendo-se fazendo ciência com arte, é lindo! Ao longo desses anos desenvolvendo oficinas criativas e aulas com ciência e arte, e de acordo com as avaliações dos/as discentes, - com alguns relatos emocionantes-, posso dizer que realmente é transformador!
Para finalizar, Franco ainda sugere aos educadores a implementação de uma disciplina obrigatória chamada “Criação de Mundos Ficcionais” que deveria ser ensinada em todas as séries dos ensinos fundamental e médio (e eu diria no superior também), para ele essa disciplina seria tão importante quanto matemática e português, e eu concordo!
Se eu acredito que a criação dessas histórias auxilia para a preservação da natureza? Sim, pois aquilo que conhecemos, preservamos! Precisamos reaproximar e reconectar o ser humano ao mundo natural, do qual somos parte! Afinal “preservar a natureza” é preservar nós mesmos! O planeta não precisa “ser salvo”, - de acordo com a hipótese de Gaia, proposta pelos grandes cientistas Margulis e Lovelock, - a Terra sempre se regenera em homeostase, nós é que precisamos nos salvar de nossas próprias ações predatórias.
Por fim, quando pensamos que o processo criativo pode nos curar, (como sugere o nome de um fanzine meu “Criar Cura”), deduz-se que seres curados não destroem (nem aos outros nem a si mesmo), então penso que a arte poderia salvar a vida sim.

Como você começou a se envolver com divulgação científica?

Creio que desde sempre! Divulgação científica se dá por diversas formas, sobretudo nos espaços não formais, informais, ou seja, em uma simples conversa despretensiosa sobre um filme, uma série, uma notícia sobre algum tema ligado a ciência, tecnologia, sociedade já é uma forma de divulgar e falar sobre ciência!
Todos nós podemos ser divulgadores científicos, sobretudo, pesquisadores! O ato de pesquisar inicia-se no ato de PERGUNTAR, a partir daí é preciso buscar respostas. Parece fácil tendo o Google e outros mecanismos de buscas atuais, porém como estamos na era da hiperinformação, é importante destacar que nem toda informação é correta, relevante e de qualidade. Então o desafio atual é saber como e onde pesquisar, sobretudo em meio a tantas notícias falsas.
Talvez a falta da divulgação científica seja um dos principais fatores dessa crise que a universidade vive hoje, na qual a população não compreende nem reconhece o valor da ciência e da universidade para a sociedade.
A divulgação científica é um tema que eu amo, e a meu ver é o dever de todo/a cientista tornar acessível o conhecimento científico para a população! De forma geral, minha inserção na divulgação científica se fortaleceu com os quadrinhos e os fanzines científicos e agora está se ampliando com a criação de jogos didáticos, podcasts, HQforismos, arte botânica, ações de educação ambiental, materiais educativos diversos e zines cartoneros.
Continuarei buscando compreender os processos criativos dos cientistas e os processos científicos dos artistas, concebendo a complexidade de ser, e entendendo a arte e a ciência como complementares em suas lógicas, assim como são indissociáveis as dimensões da saúde, da comunicação, e da educação no exercício da cidadania. São essas inquietações e a curiosidade para com o mundo e os multiversos que motivam meus estudos e minha vida.
Agradeço pela oportunidade de poder refletir sobre minhas práticas e falar um pouco dessas reflexões nessa entrevista tão agradável! É uma honra estar nesse zine!

Drª Danielle Barros é professora adjunta em dedicação exclusiva da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC), Campus Paulo Freire em Teixeira de Freitas-BA. Doutora em Ciências na área de Ensino de Biociências e Saúde no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), mestre em Ciências no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz) e graduada em Licenciatura de Ciências com habilitação em Biologia na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Coordenadora do Projeto CiArtE: Ciência, Arte & Ensino na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Área de atuação: ensino de ciências, práticas pedagógicas, metodologias ativas e formação de professores de ciências.

Contatos:
Blog “A Arte da IV Sacerdotisa”: https://ivsacerdotisa.blogspot.com/
Instagram: @projetociarte
E-mail: danielle.fortuna@ufsb.edu.br

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