Dia 13 de janeiro fiquei sabendo da morte do índio menino que mamava no peito da mãe, foi assassinado depois de receber um carinho no rosto de seu assassino antes de ser degolado. O assassinato tinha acontecido dia 30 de dezembro, e eu só soube 15 dias depois, pela internet! Fiquei tão chocada que fiz este desenho e esta POSTAGEM. O crime aconteceu em Santa Catarina, não foi noticiado pela grande mídia e poucas pessoas souberam disso. Como diz a mãe do menino: “Se um indígena cortasse a garganta de uma criança branca o Brasil viria abaixo. Quero a mesma indignação pela morte do meu filho” - diz Sônia, mãe do Vitor.
Pertences do garoto permaneciam no local do crime no início da tarde (Foto: Gabriel Felipe/RBS TV) |
Postei o desenho no facebook em meu perfil e página, enviei para algumas páginas e tiveram centenas de compartilhamentos. Uma das coisas que mais me intrigou entre as dezenas de mensagens que recebi é "NÃO SABIA DESSE CRIME, VIM A SABER AO VER O SEU DESENHO/POSTAGEM". Para mim, ter conseguido fazer a informação chegar a mais pessoas, já valeu ter criado a arte.
Postado com o provocativo título: "ATIVIDADE PARA "COLORIR" - pinte a criança morta" Veja AQUI o post |
E é curioso porque dias depois, a morte do ator de Harry Porter e do David Bowie, fez com que muita gente mudasse seus avatares, aquela comoção geral. Eles morreram de câncer aos 69 anos, e o menino com 2 anos no colo da mãe, ASSASSINADO, não gerou revolta, hashtags nem avatares. Claro que o valor enquanto pessoa e como ícones culturais que esses artistas representam é inestimável, mas minha comparação aqui não é entre "vidas" mais "importantes" e sim pela NÃO COMOÇÃO e não divulgação em um crime atroz como esse dentro de NOSSO PAÍS!
Foto: Guilherme Santos |
Pari passu, com o crescimento da "nova era", muitas páginas, blogs e lojas que se valem da cultura indígena em uma verdadeira e lucrativa "apropriação cultural", com eventos de "cura xamânica", "moda", "rodas de vivências sagradas", e outros elementos da cultura indígena, não reverberou nem veiculou NADA sobre o crime. É um caso "chato" mesmo para lidar com a "clientela", imagino.
Exemplo de apropriação cultural na moda. Foto Victoria’s Secret |
Também não vi a tão falada sororidade feminista daquelxs que vão às ruas batalhar por ter direito ao top less, "meu corpo, minhas regras", ao direito de amamentar em público e afins, sendo que essa MÃE indígena só queria amamentar sem ter seu filho DEGOLADO (se não for pedir muito). Sobre isso, outro dia eu comentei sobre o "silêncio" das feministas sobre o caso, em uma página feminista e mandaram ME CALAR no post, pois se tratava "de um outro assunto", que deveria ser discutido em "separado".
Claro, acho que elas nunca ouviram falar em INTERSECCIONALIDADE, até porque a pauta do movimento feminista é distinto da militância da mulher negra, mas isso fica para um outro post. Mas antes, um "parêntesis": Não podemos esquecer que na pirâmide de gênero a mulher negra e indígena é a base no quesito opressão, então não interessa à muitos saber da realidade da mulher negra e indígena.
A grande mídia está calada, sabe por quê? Porque o índio é um símbolo de ser holístico cuja sua simples existência denuncia nossa desconexão com a natureza e com nossa essência animal e espiritual.
O índio representa o retrato do que nos tornamos, de quem éramos e o que somos agora. O índio representa para a maioria, como um entrave ao "progresso", como uma antítese do capitalismo. Os índios são o símbolo da luta contra o AGRONEGÓCIO, o desmatamento, a criação pecuária que devasta nossas florestas e água. (Leiam este POST em que me aprofundo nesta questão).
Gente, o genocídio aos povos indígenas está em curso, começou em 1500 e continua!
Concordo inteiramente com esta citação:
"No mundo capitalista, no qual tudo vira mercadoria, não há espaço para o indígena. E não é só porque ele é uma presença incômoda, lembrança indelével do primeiro crime - a invasão. Mas porque ele é também a recusa histórica desse sistema. Ele não faz da terra uma mercadoria, ele não explora os parentes em fábricas de coisas, nem inventa produtos inúteis para vender aos incautos. O indígena pensa o território como espaço de vida e de espiritualidade. Reproduz suas cerâmicas, seus cestos, colares e bichinhos como resistência cultural e como única possibilidade de sobreviver no mundo que lhe foi imposto. E, se ocupa as ruas, as marquises e as rodoviárias é porque não têm outra escolha."
(Elaine Tavares, 2016)
Foto: Diversidad Cultural Indígena Latinoamericana |
Outro dia vi uma notícia horrenda sobre o assassinato de um índio em situação de rua que dormia no chão nos arredores da rodoviária de Belo Horizonte (MG), o vídeo mostra a agressão gratuita que levou a morte do índio, ainda sem identificação de seu nome e etnia.
Crimes como este é a mais horripilante representação do ódio, ódio do homem branco em racismo perverso, de uma pessoa privilegiada, classe média, bem nutrido, bem vestido, mas com ódio de si mesmo, e de seu vazio existencial. Pois a guerra nasce da falta de amor próprio que faz com que os seres doentes da essência pratique atos de ódio contra o outro, contra o mundo, contra a natureza, logo, contra si mesmo.
Sim, o índio morreu pisoteado até a morte. Mais um. Alô índio Galdino, mortes como a sua ainda são corriqueiras por este mundo cruel!
Índio não tem casa, não tem saúde, não tem terra (vide notícias de expulsão de terras), desocupação da aldeia Maracanã e o recente drama dos índios pataxó no sul da Bahia, (só para citar alguns exemplos), índio não tem DIREITOS.
A imagem do índio veiculada na mídia é de ser "vagabundo", "sujo", "invasor", "ignorante", "bêbado". O que esperar de uma nação que não respeita seus povos ancestrais? NADA! É como o filho que desonra o pai.
Poucos dias depois, acordei com essa notícia "Corpo de nordestino assassinado não atrapalha dia de praia em Florianópolis". No texto ainda tem trechos de uma "carta" chocante feita por um grupo que se dedica a fomentar o ódio contra nordestinos (do qual se referem como "baianos"), ameaçando o extermínio do que eles chamam de "praga". Nessa hora fico me perguntando: quantas pessoas foram mortas só por serem nordestinas? Quantas pessoas foram mortas só pelo fato de serem negras? De serem gays? De serem pobres? Por ser índio?
Em seguida li um comentário raivoso de uma mulher em uma postagem sobre "feminicídio" respondendo a uma pessoa que lhe indagou "se o feminismo busca igualdade, porque só existe o feminicídio e não outros tipos de enquadramentos criminais, o feminismo buscando "igualdade", qual a razão de reivindicar esta "diferença"? A feminista bradou: "Porque só a MULHER morre por ser mulher!"
Pensei, é indiscutível e cruel a violência contra mulher. É um FATO, é antigo e precisa ser combatido de forma contundente, QUE O DIGA NÓS MULHERES NEGRAS E INDÍGENAS, mas afirmar que "só a mulher morre por ser mulher" além de não ser verdade, abriria o caminho para criarmos outros enquadramentos como: indigena-cídio, pobre-cídio, negr-icídio, feminicídio da mulher negra (ver este texto), homofobi-cídio, e tantos outros em que se morre por ser quem se é, tanto em relação a gênero, etnia, condição sexual e social.
Também não posso deixar de falar da morte dos 5 jovens NEGROS por PMs no Rio, bem como das crianças negras mortas (meninos e meninas) diariamente nas favelas, das Claudias assassinadas, dos Amarildos da vida, mas nem entrarei nisso senão o post ficará impossível de ler dada a extensão de exemplos.
Mas para simplificar o genocídio, desta vez falando do negro no Brasil, esta notícia de 2014, mas muito atual, onde relata "o assassinato de 82 jovens por DIA, vítimas de 30 mil assassinatos em 2012; do total de mortes, 77% eram negros, o que denuncia um genocídio silenciado de jovens negros".
Gente, não é só mulher que morre por ser mulher: índio, nordestino, negro, pobre, todos os dias! A luta é muito maior. Deixo claro que apesar de não ser feminista eu luto pelos direitos da mulher (tanto que por vezes já me disseram "esse seu discurso parece feminista"), porém sou uma livre pensadora e atuante, e obviamente muitos de meus pensamentos poderão ser associados à diversas lutas, e daí a tendência em tentarem me rotular.
Mas os índios SÃO FORTES E RESISTENTES, e esse vídeo é uma prova da força indígena, é arrepiante e indignante, veja você mesmo:
Termino este texto em memória de Vitor Pinto Kaingang com este trecho dito pelo Xamã yanomami Davi Kopenawa, publicado em seu livro "A queda do céu":
Aliando mitologia, experiência política e pessoal, o xamã traz aos brancos lições urgentes e de uma sabedoria singular. Na entrevista, ele narrou o mito yanomami de criação da noite e explicou por que o céu corre o risco de desabar sobre nossas cabeças:
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