segunda-feira, 6 de agosto de 2018

[Resenha] ECOS HUMANOS: Visceralidade poética e reflexões essenciais em obra de Edgar Franco e Eder Santos

Sempre começo meus textos sobre as obras do Ciberpajé com uma sentença mântrica "é sempre um desafio escrever sobre as obras do Ciberpajé!" Principalmente porque suas criações suscitam muitos sentimentos, interpretações, lembranças e links que emergem em mim de forma caótica, de forma que é complexo transformar uma experiência em um simples texto. Além disso, após ler um álbum desse sempre fica uma sensação de impacto e faz-se necessário um tempo para maturação de um texto. Dito isso, sem a pretensão de querer expressar tudo que a obra suscitou em mim, teço alguns comentários sobre o álbum ECOS HUMANOS, de autoria de Eder Santos e Edgar Franco.
A capa é um deslumbre, a arte do Eder Santos nessa obra casou de forma simbiótica com a sensibilidade poética e conceitual que Franco trabalha em suas obras, o traço do Eder, a escolha das cores, a simbologia de cada item que compõe esta capa, é para ficarmos olhando e contemplando por um tempo. O totem Lobo, marca do Ciberpajé, a borboleta sinalizando a vida e o renascimento, o esqueleto acima do lobo, lembrando da finitude da vida, a floresta púrpura (a cor que tem simbologia transcendental) ao fundo, ressecada e pronta a novos ciclos, e o cogumelo como mais um signo da transcendência. 


Capa de ECOS HUMANOS

Na página seguinte, um lobo guará com terceiro olho em traços luminosos com o fundo preto é um sigilo icônico que abre esta linda e sensível obra!
Quando iniciamos a leitura imagética nesta HQ sem textos, mergulhamos partindo do espaço cósmico para o planeta Terra. Ou seja, meu Eu Superior-leitora, não estava no planeta Terra, e sim no espaço, e sou conduzida a me deslocar ao Planeta Pós-humano, numa época posterior à Aurora Pós Humana (antes de prosseguir a leitura, me perguntei se eu gostaria de viver nessa era...).

Página de ECOS HUMANOS

Página de ECOS HUMANOS

Aterrissei neste mundo novo, e mergulhei na história, cujos principais personagens aparecem logo nas primeiras páginas: um Lobo mestre e o lobo neófito.
Embora seja uma tentação, não detalharei toda trama, de modo a não tirar a surpresa de quem vai ler, mas é pertinente destacar nesse texto algumas questões que a obra apresentou e que tocou-me profundamente,- e que acredito serem dilemas que dizem respeito a todos os seres viventes na Terra. 
Primeiro, a questão da escassez de alimento e da água, no mundo em que vivemos. Por exemplo,  o "Dia da Sobrecarga da Terra" (Earth Overshoot Day), tem sido calculado anualmente desde 1970, e marca a data a partir da qual o consumo de recursos naturais ultrapassa a capacidade de regeneração dos ecossistemas para o ano. Mais uma vez, essa data chegou mais cedo, em 2018 o Brasil superou média mundial. Em 2018, no dia 01 de agosto, o ser humano já esgotou todos os recursos da Terra disponíveis para o ano. Ou seja, ainda faltam cinco meses para o final do ano, mas a partir desta data o planeta não consegue regenerar mais os recursos sozinho. Mesmo assim a raça humana segue sua sanha por hiperconsumismo e destruição dos recursos naturais, por conta do seu vazio interior. A obra traz isso de forma muito forte.
Vale destacar que a relação da humanidade consigo mesma, com o meio ambiente e outras espécies é uma das principais premissas abordadas nas obras de Franco, ambientadas no seu universo mágicko Aurora Pós-Humana, e nesta obra isso aparece de forma muito visceral. Outras questões abordadas que se relacionam aos conflitos que vivemos são: o dogma (seja religioso, ideológico ou econômico); a capacidade de resiliência diante das intempéries da vida (representada pelas tempestades de areia e ventania) nos lembrando que tudo gira, que tudo é mutável e que devemos nos adaptar ou sucumbir; a competitividade (seja pelo alimento, pela sobrevivência, avareza, pelo medo ou pela soberba); empatia/falta de empatia para com o outro (alteridade); a relação de mestre/discípulo, as consequências das escolhas e dos Caminhos trilhados; a importância de estarmos no agora (e não na ansiedade do passado ou futuro); Vida, luto, solitude; da teia cósmica que une todos os seres; e também sobre a condição mágica que a vida oferece para todos aqueles que estão despertos e atentos para o instante e as sincronicidades, representado pela descoberta dos cogumelos entegónenos como um portal para novas dimensões. 


Página de ECOS HUMANOS


Página de ECOS HUMANOS

A partir de então, o álbum segue com suas páginas e composições deslumbrantes e expressivas, mostrando - com uma poesia eminentemente filosófica, - um vislumbre do SALTO no abismo individual, a coragem de enfrentar a si mesmo, os próprios medos, e avançar, no lindo, necessário e doloroso processo de auto descoberta!
Lendo a obra, lembrei-me de diversas obras de Franco, desde aforismos, ensaios fotográficos conceituais, performances, palestras, HQforismos, músicas, pois o ideário que permeia as criações de Edgar retoma sempre questões limítrofes e dilemas existenciais, que em muitas vezes chega a soar apocalíptico. Muitos pensam que a obra de Edgar por se passar no "futuro" estaria desconectado da realidade, porém ele usa essa estratégia de "deslocamento conceitual" apenas para discutir problemáticas atuais em um ambiente futurista, mas que por vezes parece já estar acontecendo no agora.
Uma vez em uma palestra, vi uma pessoa interpelar o Ciberpajé com uma pergunta que consistia em saber "por que a obra dele não tinha um engajamento político?" - Ele respondeu que sua obra era a mais política (não partidária) de todas, pois falava da única forma de mudar o mundo a partir da transformação individual! De fato, é fácil ter a presunção de querer mudar o mundo, contudo conseguir dominar a própria Vontade é a tarefa mais difícil e a mais importante de todas, e só a partir da mudança de cada ser poderá haver uma mudança na mentalidade coletiva.
As obras do Ciberpajé, e esta em especial em parceria com Eder Santos, são obras importantíssimas porque elas tratam de questões urgentes, pertinentes e intrínsecas a todos nós, de uma forma poética, mas incisiva, que nos faz fruir e refletir sobre sobre o mundo, sobre os outros e principalmente  nós mesmos.
Quando deparei-me com a página final, emocionante e deslumbrantemente bela, lembrei-me de cabeça de um aforismo que nasceu entre uma de nossas conversas e acho que é perfeito para finalizar meu texto sobre essa obra tão profunda e linda:

"Onde você enxerga o fim, 
eu vejo o recomeço. 
Onde você vislumbra a dor, 
eu percebo a evolução. 
A revolução de si." (Ciberpajé)

Um comentário sobre o bater da borboleta caótica em que gostaria de destacar algo muito peculiar. A borboleta Monarca (Danaus plexippus) que está na capa e em outros momentos da obra é um símbolo de beleza, sensibilidade e muita força. Para quem não sabe, a migração das borboletas Monarcas é um dos eventos mais magníficos da natureza. A viagem começa no Canadá e norte dos EUA com destino ao México. Mesmo com porte pequeno, viajam cerca de 50 quilômetros por dia, onde muitas perdem suas vidas ao longo do caminho. A viagem dura cerca de 4000 km para fugir do inverno. Ao longo do caminho as fêmeas põem seus ovos sobre ervas, arbustos e árvores que darão origem a novas borboletas que vão seguir o voo de volta da primavera. Por ter um ciclo de vida muito curto, nenhuma das borboletas que parte da migração saindo do ponto inicial consegue completar o percurso migratório. Com isso, as Monarcas das quartas ou quintas gerações são as que chegam ao destino para completar sua missão.



Detalhe da capa de ECOS HUMANOS

Essa condição me fez lembrar uma HQ do Ciberpajé “O Desenvolvimento”, presente no álbum Oráculos. Na história, os guardiões ancestrais que ao longo de diversas gerações, cuidavam, guardavam, tocavam a flauta, encantando, cativando aquela semente que apenas um dos guardiões iria contemplar florescer. 


Página da HQ "O Desenvolvimento" presente no álbum Oráculos, autoria Ciberpajé

Página da HQ "O Desenvolvimento" presente no álbum Oráculos, autoria Ciberpajé

A essência da HQ tem estreita relação com a simbologia do processo migratório das monarcas, pois quando iniciamos uma jornada ou semeadura talvez não estejamos presentes para contemplar a culminância luminosa do ciclo iniciado, PORÉM O IMPORTANTE É DISSEMINAR A SEMENTE CÓSMICA.

Portanto, unindo as simbologias da HQ “O Desenvolvimento” e da migração das borboletas monarcas, espero que ECOS HUMANOS possa semear muitos corações ao longo do tempo e espaço, proporcionando reflexões que possam contribuir para mundos melhores (tanto para o cosmo interno quanto para o cosmos externo), e ainda que seus autores e nossa geração atual não venha vislumbrar os efeitos que ECOS HUMANOS possa proporcionar, anseio que ela cumpra seu papel através da ressonância de sua poética através das gerações.
A obra conta ainda com um texto sagaz do Dr Rubens Baquião e fecha com alguns estudos e layouts da construção dos personagens e cenários.
Gostaria de parabenizar os autores Edgar Franco e Eder Santos, bem como a  editora Reverso,- que com sua linha conceitual nasce das HQs autorais e undergrounds - publica mais uma obra de grande qualidade, que está unicamente dedicada a expressar o experimentalismo e a filosofia de seus autores, não sucumbindo aos meros interesses/demandas/nichos preestabelecidos pelo mercado. Ou seja, uma obra que sai das vísceras de seus criadores e nos atinge de forma fulminante! Além da obra em si, que já é um presente aos leitores, ainda tive a honra de ter um dos autógrafos mais lindos e mais mágicos que eu já ganhei: uma Sacerdotisa-Centaura Pós-Humana feita especialmente para mim pelo Mestre Ciberpajé Edgar Franco. 


Autógrafo do Ciberpajé em meu exemplar de Ecos Humanos

ÁLBUM EMOCIONANTE, RECOMENDO FORTEMENTE! 
PARABÉNS e grata pelo presente!


 
Eu com esse álbum LINDO!

Saiba mais e adquira seu exemplar do álbum nesse link: https://ciberpaje.blogspot.com/2018/05/ecos-humanos-novo-album-em-quadrinhos.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário